terça-feira, fevereiro 28, 2006

("Epigraphs", Ketil Bjornstad e David Darling)

Ouço violoncelo e piano.
Os pássaros não. Estiveram todos à tua janela em serenata.
Apenas escuto o violoncelo... nostálgico... Azul... Gelado...
"Amo-te"
Eu sei... Eu sinto... Os pássaros inundam o teu quarto de madrugada, o dia mal despertou...
Mas aqui não existem pássaros, nem rosas azuis, nem espelhos.
Escuto violoncelo... E reparei só agora que as paredes estão azuis, sempre estiveram... As paredes estão nostálgicas, sem grades, vidros ou janelas...
Escuto violoncelo e piano... E parece um prelúdio de morte que se inicia...
Não vêem as mãos em chamas?...
As cinzas que se escondem do tempo... Do tempo... Do tempo...
No meu quarto não havia pássaros... A janela permanece fechada... Recuso o sol... Quero o azul do violoncelo e a seda lívida do piano apenas...
Surge o cosmos perceptivo... Texturas, cores, sons, cheiros e gostos... E converto-me no Pensador de Rodin e tudo à minha volta se transforma em sensação pura...

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Agora

E é então que chegamos a uma conclusão que sempre esteve à nossa frente. Um tanto que não era nada, que se perde. Um vazio impossível de preencher. Não havia abismo nenhum. Agora há. E eu acabei de dar o passo em frente.

sábado, fevereiro 25, 2006

Vejam

Vejam?
Aqueles braços estão cansados. Da fronte escorrem lágrimas escassas. A fonte escorre dentro dela. E dentro dela há um abismo. Cairam lá todos os sonhos que tivera em menina, quando corria à volta das galinhas e construia mansões com dois trapos condensados em magia.
Os portões do futuro estavam ainda abertos, à sua espera.
Vejam?
São aqueles olhos os mesmos que dormiam no passado? Os mesmos que brilhavam e rasgavam um sorriso em todo o lado?...
Os cabelos cor de cobre que pendiam sobre a inocência e o corpo nunca tocado...
Vejam...
Era ela, eu via-a suspensa na ponte do precipício, quando ainda pensava que voar se fazia não com as mãos, mas com o olhar...

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

De mim

Há dias em que estou assim comigo. É verdade que há. Mas já alguém começou assim um poema bem melhor que este, portanto eu tenho de o começar de forma diferente. E a verdade é que há dias assim, mas eu não estou assim comigo, nem assado com ninguém.

A Rosa Azul

A rosa azul partiu num outro carro. Não pode ficar na sua mão. Não podia! Havia algemas. E os espinhos eram tantos que a rasgavam e já não havia dor nas suas mãos. Eram só chamas e adereços de sangue e de tormentos repetidos. Mas a dor não celebrava mais o seu requinte. Era morta e com ela as suas mãos.
A rosa azul não tinha lugar na sua vida. Havia espinhos. Havia algemas e paredes.
A rosa azul partia com o vento noutra direcção e com o vento partia também a vida. A vida espaçada. Esquartejada no tempo. Adormecida.
A rosa azul partia.
Mas uma pétala, uma apenas, pousou à noite, devagar, sobre o seu rosto.

O mar a conta-gotas

Por vezes ouvia soluçar o vento naquela margem. Vacilava nesses instantes, num desespero absoluto de sentir o que a vida lhe mostrava. E era o mar que levava no olhar que os hipnotizava. E eram os gritos e a raiva amordaçada que mordia o seu peito agora, naquele compasso lento, a conta-gotas. Era, afinal, o seu único ritmo, o único aprendido. O ritmo do mar a conta-gotas. O ritmo do mar nos olhos. Das ondas. O seu rosto acetinado rasgava-se ao vento e as ondas desprendiam-se dos lábios, esmagando-se num furacão de luzes girando sobre o sol até à queda triunfal. E era belo aquele cenário que se repetia desde a nascença. Mas os que nasciam eram cegos. Todos eles. Cegos. E o seu olhar era uma estrela.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Estrada

80 km de estrada vazia. Luzes delirantes. A noite. E pensar que conduzir a vida é bem mais difícil. Acelero. As curvas. Viajo em silêncio. As curvas. Tropeço nas curvas. Da vida.
Conduzir à noite, num frenesim de luzes, rende-me à evidência da noite. Sinto paz.
A solidão acompanha-me, mas já não dói. Fica sentada ao meu lado, no lugar do passageiro.
À noite, quando conduzo, há sempre um passageiro. A Solidão ou a Tristeza degladiam-se quase mortalmente. E há sempre uma delas q viaja comigo. À noite sempre.
Ás vezes viajam as duas. Viajamos as três. E olhamos placidamente as estrelas.
As estrelas ao longo dos 80 Km de ontem.
O pé no acelerador e as curvas da vida naquela estrada morna que uso apenas para silenciar a vida.

domingo, fevereiro 19, 2006

"Nem sempre o chorar tem lágrimas"

às vezes é só vazio. já nem a dor persiste. e o fardo que carrego por um nós ser um lugar tão triste.

sábado, fevereiro 18, 2006

malfadado, malfodido

Dias perdidos logo no início. Mal começados. Dormindo no vão de uma escada que é a vida. Caralho para isto. Até as palavras me saiem sem força. Nem o mecanismo da poesia funciona. Não o posso pôr em piloto automático. E a verdade é que eu sei lá do que estou a falar. E acordei com vontade de dormir. E o pesadê-lo continuou noite e dia fora, e vida fora, noves fora, zero, como dizia o Baleiro quando atacado de um terrivel vazio, como este, aqui dentro.
O coração. O coração nem sequer existe. Se existisse era o primeiro a doá-lo. Mas eles querem é o músculo, e eu refiro-me ao contentor, com tanta merda dentro que só apetece puxar o autoclismo da memória, para ver se ela se torna remota. E a verdade, é que o meu músculo nunca foi pungente. De vez em quando, lá pára de bater.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Saudade

A noite cambaleava pelos socalcos da saudade.
Gritei o teu nome. Gritei-o toda a noite. O medo estava presente. E os teus braços eram ausentes, mas no passado já me tinham cercado de carinho, na tua voz aconchegada ao meu peito, insistindo, como se eu fosse criança, no sono que me levaria de volta à eternidade. E era nos teus braços que eu remia todo este medo e voltava a adormecer, aninhada no teu corpo como uma criança.
Mas esta noite era a solidão que me abraçava. "Trago da minha avó esse legado/Soledade era o seu nome." A solidão que faz parte de mim, desta terra, deste olhar.
E estavas doente ontem. Estavas só. Tu também. E o teu adeus cravou-se na alma como um espinho que me matava na madrugada lenta.
Gritei o teu nome. Adormeci com os lábios ainda unidos nos teus. Mas era só o teu nome. Tu estavas noutro quarto. No teu. Sei que choravas. Sei que sangravas das mesmas feridas que eu calava.
E a noite a cambalear como um velho. E o teu nome nas paredes. E o teu corpo na cama. E as visões das lágrimas que corriam de ti. Afloravam todas no meu quarto. As lágrimas que escondes. As lágrimas desse amor que sempre sonhei viver. As lágrimas do coração que eu amei. Que ainda amo. Mas amar-te não podia ser o erro.
Amo-te. Ainda e não sei se sempre. Mas tu dizes que o tempo virá. Dizes que o tempo já vive aqui e me rouba de ti. Mas não veio ainda. Não veio. Mas eu insisto sempre. Não posso. Tu sabes, tu apenas. E nesta dor medonha, forço a distância e a ausência de ti. E aguardo o tempo. O tempo que leve todo este tempo ou que me entregue a um sono eterno.
O tempo virá, por ti e por mim. E um dia seremos livres.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Onde termina?

Fujo dos dias, das horas, do tempo.
Fujo da vida.
As lágrimas que guardo são mágoas de um passado ainda presente.
O passado, por vezes, torna-se o presente e o futuro e arrasta-se aos nossos pés, como grilhões que nos lembram a cada instante que o nosso deserto mora aqui.
Há quem veja em mim cenários de deslumbramento, quando eu apenas sou um fardo que carrego, um resto de vida, um dia vazio, uma lágrima que se colhe na mão, de tão pequena...
Eu sou o espólio que sobrou daquela esperança, uma ferida aberta, sem caminho e sem estrada...
Sou a cápsula de tédio suspensa no tempo... E o tempo era ontem uma esperança...
Sou a vida que paira sob o medo. O mistério que desmonta a madrugada.
Eu sou estes ramos que sustento à voz do vento, e esta seiva que circula e que diz: "- Ama!"
Amo... Eu sei que amo... Amo em absoluto... E além do amor, em mim, não há mais nada... A cor dos olhos, e todo o rosto e o meu corpo, são em uníssono a mais sincera expressão de quem me ama...
Mas e a busca?... Termina onde?

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Deste lado do mundo ausente

Passeei ao pé das tuas palavras novamente. Vi onde permanecia a saudade.
O mundo tem muitos lados e nós apenas vivemos em pólos opostos, mas as palavras são elos que se cruzam entre os nossos mundos.
Que posso dizer das muitas palavras que sufocas? Até onde? Ou até quando esse universo? Há tanto na vida que selamos, segredos que guardamos e não há quem assalte a memória, onde vês tantos que me afastam e amordaçam.
Há uma beleza que desconheces nessa imagem de cavaleiro que vestes na saudade dos dias...
Bom dia para ti deste (meu) lado do Mundo!

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Faz hoje 125 anos da morte de Dostoiévksy, e fui encarregado pela gerente deste blog para fazer uma pequena homenagem, visto que a mesma se ausentou do seu Porto (de abrigo) para vir à capital encontrar-se com a restante pandilha.

Todos devem saber que é um livro deste autor que dá nome ao blog, e que a frase do cabeçalho é dele retirada. De todos nós a Nastenka é a mais Dostoiévsky-dependente. É fã de cartilha. Eu li apenas uns escassos livros que me perturbaram (elogio). E o Censurado (que anda demitido de escritas) não sei o que leu do senhor.
Serve portanto esta missiva para celebrar a morte (paradoxo imperdoável) do homem que gerou, indirectamente, este blog. É legítimo dizer que o autor tem peso no que aqui escrevemos, portanto, um agradecimento ao morto (que não o receberá, "a menos que essa coisa de espíritismo funcione", como diz Vinicius, no poema que dedica a um milionário americano entretanto falecido).

Até ao próximo post,
XO

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

a passante

era possível saber o seu sorriso, se eu a tivesse olhado durante mais algum tempo. assim, foi apenas uma passante, que desapareceu numa esquina, que me causou uma dor insondável ao partir, a dor da perda inconsolável, esquecida segundos depois.