domingo, março 19, 2006

Confissões do Fingimento

Fiz que sorria. Fi-lo sempre, ainda quando o júbilo ruía e a tristeza e a raiva que se finge consentiam em mostrar a dor que existe.
Fiz que vivia. Fi-lo sempre na demência metódica da rotina. Sempre com medo da fumaça do futuro. Sempre no limbo da semente da esfinge do amor e do desterro.

O Amor no fim de tudo

Se há braços que se elevem no espaço para te abraçar, são eles os meus, que se cansam de lutar, de esperar e de gritar, são eles os meus.
Se há lábios que se desenhem nos teus lábios e te impedem de chorar, são eles os meus.

Ensaio III

Feridas as sementes, resta a distância, um eco de vida longínquo bebendo do cálice funesto do tempo. Do tempo restam-me mosaicos. Percorro-os com os dedos e é o teu corpo que emana do sangue. Renascem então os dias, o suor dos corpos dilatados. O prazer ao fim de tudo é o segredo que guardamos. Destilo silêncios. Acorrento a vida às incertezas que emergem dos limites que imponho e morro a mil passos daqui, num outro peito que repousa ao pé de um rio.
Há palavras que não digo mais, que não disse nunca e que morrem aqui e com as saudades de uma cumplicidade infinita que escondo do universo cósmico, das estrelas, dos cometas, dos astros e de mim mesma, com o pânico do erro e o terror místico da luz que me foge e do fosso que escavo a sangue para dentro de mim mesma, na solidão mais absurda e porém inevitavelmente trágica do momento.
Fujo de ti, foges de mim porque o amor existe e é um erro. O erro que sobra de um sonho de há tantos anos, de memórias onde pulsam lágrimas e risos, glaciares e chamas, no recesso imoderado dos segredos.

quinta-feira, março 16, 2006

desilusionismo

e é então que deixamos à deriva o que nunca teve rumo, o amor. e esperamos que a maré dê a volta, para levar as palavras que não eram para ser ditas. e sorvemos o doce veneno para disolver os parágrafos presos na garganta. e para as respostas na ponta da língua ainda não encontrámos perguntas que se adequem. e não sabemos mais o que fazer com os afectos que nos passeiam no músculo que pulsa sempre, com ou sem razão. e para o coração, que não existe senão na cabeça dos poetas, não temos palavras que cheguem.

domingo, março 12, 2006

Uma oportunidade

A vida ontem era um fardo que ela trazia sob o olhar tenso. Raspava os dedos na parede, os pés estavam descalços há tanto, tanto tempo... E o fardo a culminar nos ombros magros que expunham os ossos gastos pelo espaço percorrido. Ontem a vida culminava no tecto, horas a fio o olhar tenso no tecto do quarto, e nada se passava, toda a revolução vinha do seu espírito espezinhado nas escadas de uma multidão feroz que corria, sem tempo de levantar aquela que aos seus pés morria.
Morria, de facto. Irreversivelmente. Tingia-se de negro. De uma sombra pútrida e funesta. Mas um sopro de vida ainda lhe restava. Um sopro esganado pelas sombras, revestia-lhe a laringe e vibrava, aos soluços, descompassado no tempo e no espaço. Um sopro de vida que lhe nascia, pela saudade da Luz que um dia a revestira. Haveria ainda uma oportunidade?

sábado, março 11, 2006

variações em modo-buarque

eu estava à toa na vida
o meu amor me chamou
para ver a outra banda
da margem nenhuma que sou.

autopsicografismos

tomo o Pessoa como epígrafe e dou corda ao comboio do coração, enquanto estico a corda da vida e ajeito a corda no pescoço. tanta corda rapaz, vê mas é se acordas para a vida, antes que a vida acorde com a morte o sono ao qual não poderás fugir.