domingo, janeiro 29, 2006

Diário de um "Antropólogo em Marte" (III)

Os olhos estão mais uma vez inchados... Consigo ocultá-los com um sorriso...
O pânico da diferença violou de novo a noite, a dor de sempre e o medo da prisão nesta mente alastrou pelo meu corpo e só o sono, esse eterno aliado, me restituiu a paz nesta manhã...
É certo que não me ouvem e que mesmo ouvindo, não saberiam... É certo que estou só, e já não me questiono pela cumplicidade, essa ilusão sombria...
A solidão, como de resto se apercebem todos os que pensam e se sentem e fogem de si mesmos, condensa em si uma serenidade que só a custo nos parece urgente, mas é assim mesmo, mortifica-nos, mas apressa-se em reatar em nós o equilíbrio adormecido...
Eu preciso dela, mesmo gritando por alguém que nunca escuta(rá), é em mim mesma que descubro todos os recursos para me esconder e ressurgir, como uma concha que se abre e fecha, sempre com medo do que encontrará pelo mundo.
Está frio! Ouço dizer que neva aqui e ali... Mas ninguém me diz que neva junto a mim... Neva aqui e é tão bela a cor e a textura e todo este frio que mal dou por mim, apenas vivo, ou diria antes que sobrevivo... Mas a neve sempre foi bela e às custas dela renovo-me e como me sinto só, crio até imagens e poemas e estradas por onde nunca irei, mas esboço o caminho, se alguém quiser seguir por aí... Eu não vou por aí, como dizia o poeta, tenho medo e pesa-me a diferença como um erro... A diferença num qualquer processamento que não sei, mas que teimo em omitir...
Visto em casa e em todo o lado por onde quer que vá, este invólucro comum, e com ele enfrento o mundo... E valem-me as palavras secretas que fermento e que expulso sem medo, desde que quem me vê nunca saiba de onde é que as invento...

sábado, janeiro 28, 2006

Noites Brancas (VIII: Palavras dele)

- Vivi todos os dias contigo... Estive sempre contigo... No sonho e no momento de acordar... Despertar para a vida acontecida...
Estive em ti... Ancorado aos teus pés, engolindo as tuas lágrimas e as minhas... Morei nos teus olhos e ainda resido no teu brilho... Não há palavras que cheguem para descrever a tua beleza, nenhum poema basta, nenhuma canção... Existes apenas tu e tudo é tão ínfimo perante a tua face... Por isso, na tua ausência, apenas recordo pedaços de ti, fragmentos daquilo que de tão limitado os poetas me podem dar da tua presença...
E sonho em ti, por ti, porque toda a fantasia se completa nos teus braços e sei-te aqui, no meu quarto, sei-te minha, obcessiva e intemporal... Escuto os teus passos... É esse arfar do teu peito que me enlouquece... Os teus sons... Pressinto o teu prazer, sinto-o na pele, nos sentidos, na boca que invadiu já o meu corpo e me procura adormecida... Prendo as minhas mãos nas tuas e voamos... O amor sempre nos deu as asas que o teu mundo nos negava... Voamos... Tu vens em mim, a boca quente, o corpo longo que esmago e que deixo levitar nos meus dedos, em gemidos que te dou, que também sinto, que aumento e permito acontecerem, pois vens comigo, estás aqui e eu contigo e somos nós que voamos sobre o mar... E pousas o teu corpo de cisne iluminado, junto ao meu... E eu permaneço ancorado aos teus pés e sopro o sono nos teus dedos e fico a contemplar-te, no silêncio que se instala depois do sonho...
Sempre o sonho... Uma realidade paralela que mendigamos no tempo e no espaço proibido... Um sonho fugídio que vivo contigo...

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Noites Brancas (VII: Palavras dela)

- Tu viveste comigo aquele sonho?...Diz-me!... Sentiste, como eu, a onda de ternura que irrompia dos nossos corpos enquanto nos possuíamos?... Viveste-o comigo?
Os nossos corpos suspensos no prazer da dança de onde não há retorno, sustentados pelos gestos, pelos olhares perdidos, e o teu olhar no meu, sentindo-te raiar a pele e os sentidos... E a voz trémula, pedindo mais, abrindo-se pelos poros, gritando e expulsando a luz do prazer abraçado a nós, unindo-nos num espaço só nosso, onde os teus olhos são meus e a tua boca me invade e flutua na minha, como um nenúfar que permanece num lago sereno, tu flutuas em mim e eu esqueço-me dos sonhos vazios...
Um sonho contigo, vivido contigo, um sonho perdido no espaço e no tempo proibido...

domingo, janeiro 22, 2006

Noites Brancas (VI)

E sinto no teu peito a morte que se arrasta,
não a do corpo, mas a mais trágica…
É o meu silêncio que te afasta…
Eu sinto…
Sinto por ti e em ti,
o mesmo coração que em nós se gasta…

Ouço-te,
a voz estrangulada,
e o peito que se rasga na saudade,
porque me escondo deste desejo que nos mata…
Mas,
meu amor, adormecerá ainda em nós esta vontade…

sábado, janeiro 21, 2006

E ainda a vontade de me rever...

Leio os teus textos e questiono-me sobre que lembrança terás de mim que te faça acender dessa forma a saudade e a vontade de me rever... Nos teus textos deveria gravitar uma qualquer força da natureza, uma diva, uma sereia, mas não esta criatura morna e cansada que se esvai com os dias... Não sou um todo, nem um poema... E porquê ainda me cantas? Escondes-te, mas ainda chamas por mim... Chamam-te louco, sei disso, e por que não os escutas?...

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Noites Brancas (V)

- Tu ensinaste-me o que é a saudade, nunca ninguém me fez sentir assim...
- Se soubesses como dói perceber o quanto te faço sofrer...
- A saudade também tem um lado bom... Todos os sentimentos têm um lado bom e um lado mau...
- Mas eu só queria dar-te o lado bom de todas as coisas!!!
- E dás... Desenvolves em mim tudo que tenho de bom para te dar... Vem!... Aperto-te contra mim, como se fosses minha, e não te largasse mais...

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Felicidade (ou a canção do nada - em islandês: Njosnavelin. Os amigos inventados e a mulher ausente)

Aquilo que construí foi nada. Todos os dias a minha porção de alienação, para suportar uma dor não sei de quê. Doi-me tudo, doi-me o mundo. O café para conseguir estar vivo, o whisky para me manter em pé no momento de cair, a poesia para equilibrar a loucura e a solidão. Sentir o corpo enfraquecer e encolher-se e recolher-se na sua dor, aconchegando-se, enquanto a mente voa e se conversa sobre a importância do Checo na literatura moderna. Voamos já, por sobre tudo, o corpo dobrado sobre si, restringindo o mundo à sua dor. Já é de manhã e não dormimos e bebemos mais café, e o whisky e tudo o mais já chegou ao fim, e mesmo que não tivesse chegado não beberiamos mais porque a mim ardem-me os lábios por causa do cieiro e a ti a cabeça anda à roda. Olhar o dia amanhecido e o silêncio entrecortado pelo ruído periódico do comboio. Vaguear pela cidade sozinho, com duas garrafas quase vazias, mas que não ouse deitar fora pela mínima quantidade que ainda têm dentro. Duas garrafas quase vazias, eu quase vazio. Tudo, um contentor vazio, tão cheio de vazio. Vagueio com um rumo que não conheço. Procuro um amigo que não existe. Sob pena de estar bêbedo o suficiente, bebo o que resta da cachaça e da vodka e lá vão as garrafas, que já estava farto de ter as mãos ocupadas. Paro de novo, noutro sítio, para beber outro café, e acordar um pouco mais para o mundo e adormecer-me um pouco mais, para a realidade de mim. Deambulo mais um pouco. É tão de manhã que ainda a cidade exala pureza. Ainda só os mendigos andam pelas ruas. Eu e os mendigos. Eu também sou um mendigo. Só não estendo a mão por uma moeda, mas sim por um pouco de afecto, um pequeno gesto. Os amigos invento-os eu. Ela não veio. Quase me esqueci de existir. São nove da manhã e o melhor que as pastelarias têm para beber é leite e Ballantines. Prefiro o leite, não sou esquisito com a marca. Bebo o leite, palpo a caveira. Durante algum tempo fico obcecado pelo mar e espero pacientemente que ele me traga o que quer que seja que preciso. Não trouxe. Os lábios ardem do cieiro, ardem insuportávelmente, mas o ardor dos lábios nem se assemelha ao ardor por dentro que nem sei bem onde é. "a dor de não saber aonde doi". Incrivelmente, parece-se com a felicidade.

sábado, janeiro 14, 2006

Noites Brancas (IV)

Ela gritava estas palavras quando o silêncio se tornava a arma mais mortal do seu sentimento:
- "Estás próximo, ainda que ausente, próximo todos os dias, como se habitasses em mim perenemente..."

Noites Brancas (III)

- "Nunca ninguém verá em mim a beleza que tu vês!!!... Os teus olhos vêem tudo isso em mim porque eu espelho a tua própria beleza..."

Carta de suicídio (parte 3, outra vez, porque não gosto de numeros pares e o caralho do texto tem quatro partes)

(...) O caralho do tempo. Não chove. Quero que chova e lave tudo. Em mim. Estou farto de ser quem sou e nem saber o que isso é. Mas o whisky soube-me bem. Se calhar como semelhantes ao jantar. São todos meus irmãos de suicídio. Paredes brancas com o Eugénio de Andrade pendurado. Esqueço o mundo e a tensão sexual. Estou com tanto amor pela vida que estou capaz de me matar.

Carta de suicídio (parte 3)

(...) A filosofia e os amantes da retórica. As luzes de Néon. A marina de Vilamoura. Sabes quem eu sou? A camisola azul tem uma mancha de lixivia que deixa antever uma alma manchada de camisola azul. Que me lembra de novo os pedaços de carne estufada. Toda a gente tem pedaços de carne estufada menos eu. Não há ninguém que eu compreenda. Parece. Estou com alzheimer. Não me lembro do que estou a pensar e o que penso é o que escrevo. Estou é bêbedo. O Nuno diz que quer foder a Rita. Quero não pensar. Quero que se fodam todos. O livro. Tem tudo o que preciso. Camisola azul. Lixivia. O Autocarro vai-se embora. Eu também quero ir. Deitar-me no muro e adormecer à chuva. (...)

Carta de suicídio (parte 2)

(...) os edifícios choram. Eu vejo as lágrimas. São a roupa estendida.
Uma coisa é uma coisa e cada coisa é a coisa que é. E nunca é mais que isso. É tudo o que sabemos. Estou sozinho. Tenho muita gente à minha volta, ou seja, estou sozinho. Ando pelo telhado do meu pensamento, por cima do que eu sou e nunca sei o que piso. Centro comercial próprio - vou vender lá os meus pensamentos. Não. Vou dá-los de graça. Afinal, eles não valem nada. Mas eu continuo a pensar nos teus seios. E em sorrisos e em tudo o que comi ao almoço. A loiça suja. Penso na morte de um amigo. E eu continuo a fingir que estou vivo e toda a gente acredita. O computador muda a hora sozinho. O homem pisou a lua. Há muita gente râncorosa. O meu coração é um cancro. Não sei quem sou eu. Inventa-me. (...)

Carta de suícido (parte 1)

Quis morder a tua mão esquerda, mas o céu não deixou que o meu corpo caísse como chuva e incendiasse o pavimento. tudo o que vejo são os teus seios. O chão é os teus seios. Os meus olhos são os teus seios a ver o chão que é os teus seios.
Os meus amigos são pedaços de carne estufada que tento trincar mas são duros demais.
Há quem me alimente de lágrimas e as represálias do frigorifico são iogurtes bifidus activo. Quem sabe o mundo tal e qual como ele é? Sabes tu as palavras dentro da panela? E os teus seios, sempre os teus seios - por sobre a minha cabeça, um deus que é os teus seios. E livros que são todos vazios, e eu sei-os só os teus seios.
O vento agita os ramors das árvores e eu penso na vida após uma valente bebedeira. E morro quando os pedaços de carne estufada falam comigo. São tão sóbrios e felizes e ignorantes e crueis. O que eu queria era viver num sítio qualquer (...)

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Noites Brancas (II)

Ele dizia-lhe:
-"Tu renasces das cinzas todas as noites... Seremos sempre espectros de um amanhecer sombrio..."
Perante a imensidão ela cegava e o silêncio era o seu grito.

Noites Brancas (I)

Ela sabia que no seu peito vencia o impossível, mas a sua paz era tudo que lhe faltava...

sábado, janeiro 07, 2006

Enterrar o passado...

Com a chegada do novo ano tranformamos em cinzas o nosso passado... Ocultamo-lo do mundo que o condenaria...
Tantas e tantas palavras... Tantos e tantos enganos... Lançados nas chamas sedentas...
Sempre tiveste mais coragem que eu, e ficaste a olhar enquanto o fogo consumia tantos anos e tantas lágrimas em apenas uns instantes...
Neste novo ano, jamais alguém encontrará vestígios do meu, que é também o teu passado...