Uma oportunidade
A vida ontem era um fardo que ela trazia sob o olhar tenso. Raspava os dedos na parede, os pés estavam descalços há tanto, tanto tempo... E o fardo a culminar nos ombros magros que expunham os ossos gastos pelo espaço percorrido. Ontem a vida culminava no tecto, horas a fio o olhar tenso no tecto do quarto, e nada se passava, toda a revolução vinha do seu espírito espezinhado nas escadas de uma multidão feroz que corria, sem tempo de levantar aquela que aos seus pés morria.
Morria, de facto. Irreversivelmente. Tingia-se de negro. De uma sombra pútrida e funesta. Mas um sopro de vida ainda lhe restava. Um sopro esganado pelas sombras, revestia-lhe a laringe e vibrava, aos soluços, descompassado no tempo e no espaço. Um sopro de vida que lhe nascia, pela saudade da Luz que um dia a revestira. Haveria ainda uma oportunidade?