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Estória possível sobre a criação da canção Lover, You Should’ve Come Over (exercício de imaginação)

"Sometimes a man gets carried away, when we feels like he should be having it's fun. And he's much to blind to see the damage he's done. Because sometimes a man must wake to find that really he has no one" Jeff Buckley

São três e meia da manhã e o sono insiste em manter-se (ainda) bem longe.
Dentro do quarto ouve-se apenas a sua respiração, intercalada por alguns suspiros. Por vezes, o ruído de um carro ouve-se, vindo do exterior, ainda que muito esporadicamente. Tudo o resto se encontra mergulhado no silêncio da noite.
Apodera-se de si uma solidão que o sufoca. O seu desejo é ir dar um passeio, a meio da noite, como gosta de fazer, sentar-se num banco longe de toda a gente, só ele e a sua guitarra, e cantar olhando a lua. Ainda que lute contra esse desejo, tanto pelo facto da violência que agora prolifera nas ruas dos suburbios de Nova Iorque como pelo frio que faz lá fora, afinal já estamos quase no fim de Outubro, e acima de tudo isso, não consegue encontrar a temperatura perfeita dentro de si. Ainda assim, com todos estes senãos, decide fazer o que lhe apetece: pega na sua guitarra e sai.
Durante algum tempo vagueia em busca do local perfeito para a sua actuação.
O céu está admiravelmente limpo para uma noite de Outubro. A lua espalha o seu brilho pela cidade adormecida e, ao invés de ser assustadora, a noite torna-se sensual. E a sensualidade envolve-o e a sua guitarra. E nesse momento começam a aparecer os primeiros acordes, depois os primeiros versos, contando uma estória distante, cujo protagonista é ele mesmo. E era como se Deus estivesse a cantar por aquela garganta, porque é impossível descrever a perfeição do que se estava a passar.
E ele sempre fixando a lua, ainda que os seus olhos estivessem fechados.
E enquanto cantava era impossível não se reparar no que se passava ali. Porque cantava com toda a emoção que existia dentro de si a transbordar, num turbilhão de sentimentos, como se de repente, fosse impossível conter um único impulso nervoso que se acendesse dentro daquele corpo.
Quando terminou o mundo não era mais o mesmo. O brilho da lua ficou mais intenso. A sensualidade da noite ficou mais cheia. A sua voz ecoava no silêncio, e tudo ficou preenchido. Até o vazio.
E dos seus olhos fechados, corriam lágrimas.

24. 10. 2004.