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O Culminar Do Mal

É estranho. É realmente estranho. As pessoas passam, olham e depois ou ignoram, ou ficam a olhar com uma estúpida curiosidade infantil, ou se sentem horrorizadas, enjoadas, repudiadas. E afastam-se. É relevante referir que nenhuma delas faz algo de modo a me tirar da situação em que estou. É verdade que um homem ensopado em sangue não é bonito de se ver, mas podiam chamar uma ambulância, ainda que eu não o queira, para me socorrer. E não obstante ser uma sensação nada agradável, desconfortável, não culpo o agressor, até lhe agradeço. Nos últimos tempos andava com uma sensação de mau estar. O latejar da minha cabeça era permanente e principiava a tornar-se insuportável. E o que não me faz estar com medo do que virá depois da vida é o facto de me sentir morto de algum tempo para cá. Aliás, agora que penso nisso, acho que nunca estive realmente vivo.
Relembro o momento do assalto com uma certa nostalgia. Ia a atravessar a rua transversal à da minha casa, e foi quando ele, o assaltante, apareceu. A faca a trespassar a minha carne, a rasgar as minhas tripas, o sangue a jorrar para o chão. É certo que doeu, mas é bonito.
(O único facto que lamento, além de não saber o nome do agressor, é o facto desta cidade se estar a tornar, progressivamente, mais violenta.)
Até a delicadeza com que me tirou a carteira do bolso foi agradável. Obrigado assaltante, sejas tu quem fores. Já há algum tempo que queria acabar definitivamente com a vida que já não sinto a correr-me nas veias. Aquela facada, para muitos teria sido a maior desgraça das suas vidas e consequentemente a última, mas para mim foi uma lufada de ar fresco. A sério! Parece que finalmente consigo respirar um ar outrora conspurcado com toda a hipocrisia, a promiscuidade, o cinismo humanos. Agora sou livre! Vou-me embora.
É verdade que é paradoxal, e até irónico, mas foi no fim da vida que encontrei paz e felicidade. Porém, sinto uma enorme amargura por já não poder comunicar ao mundo que a sua salvação é o fim da humanidade. Mas tenho fé que, tal como tem vindo a suceder, a humanidade acabe por se auto-destruir, antes de destruir o planeta por completo. E não me podem acusar de não ter feito a minha parte, pois vou morrer dentro de instantes, e essa conquista já ninguém me tira.
08. 11. 2003